Miquel Barceló
Um mundo primitivo, ainda não criado em que se veem os poderes tremendos da natureza em constante movimento de criação e destruição; uma paisagem arrebatadora de um mundo sem fronteiras se apresenta no meu espaço pictórico, simultaneamente abstrato e figurativo. Abordo a superfície também na horizontal com acrílicas e terras coloridas; meu corpo voltado para a tela se sente mais próximo da pintura e, portanto, da terra.
Minha estética está relacionada à percepção da terra como matéria, origem e fim, efemeridade da vida sempre em movimento, uma visão que vibra com a mesma frequência do romantismo do início do séc. XIX, na obra de Caspar Friedrich e com a obra do expressionista abstrato Mark Rothko, que viam o aspecto sagrado no meio natural.
Certamente que o alvoroço tecnológico e mecanicista na arte contemporânea não me passa despercebido; na atualidade, a arte midiática, eletrônica, é o padrão, sem dúvida; mas não creio na eficácia de um discurso crítico que usa a mesma linguagem ou técnica do que pensa criticar. Por isso uso a matéria e técnica que uso e porque tenho escolha. O centro do ser está agora no exterior, no establishment da máquina, a relação do indivíduo com o mundo, com o meio natural que o sustenta está sendo filtrada, mediada por meios mecânicos numa quantidade e velocidade vertiginosas; os cinco sentidos são nossa forma de nos comunicar com o meio natural mas são atrofiados e sufocados pela voragem eletrônica! A crueza da pintura matérica de Tàpies e de Miquel Barcelò me faz vibrar toda a fibra, toda a carne, já que a terra está intimamente ligada à carne e à pele: são materialidade.
Com minha pintura o espectador vai para as entranhas da terra, onde tudo é só elemental, num processo de interiorização, de acolhimento em si mesmo produzindo um movimento oposto ao do cientificismo e ao do mecanicismo exacerbado que puxa a atenção do ser para fora dele mesmo, deixando o bagaço sem centro.
Prefiro viver num mundo vivo, vigoroso, do que no ambiente artificial que o industrialismo do lucro impõe à criatura humana: o vínculo entre homem e natureza é indissolúvel.
Sela
2010
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